Espécie internacionalmente reconhecida desde 1143, o
Português ainda hoje suscita grande curiosidade, sobretudo pela sua aparente
calma perante desastres de vária ordem.
O Português considera-se bem-falante,
astuto, inteligente e, de algum modo, superior às restantes espécies da família
dos humanos. Pesquisas revelam, todavia, que o Português é manso, invejoso e
comodista. Mede o seu bem-estar por comparação ao bem-estar dos outros,
manifestando particular felicidade quando os seus semelhantes estão na m*rda.
Do mesmo modo, tendo por riqueza toda e qualquer acumulação de bens materiais a
que pode, ou não, dar o devido uso, verifica-se que os seus objectivos de vida
passam por ter uma casa maior e mais vistosa do que a do vizinho, um carro com
maior cilindrada e mais recente do que o do vizinho, um iPhone, um iPad e
gadgets semelhantes, que usa com orgulho em locais públicos. Gosta de roupas
“de marca”, nem que, para as obter, tenha de fazer o grande sacrifício de
procurar locais de contrafacção, correndo toda uma série de riscos para lá
chegar, incluindo desrespeitar limites de velocidade e usar o telemóvel
enquanto conduz, o que, facilmente, nos levaria a caracterizá-lo como corajoso.
O Português considera-se culto.
As suas fontes de cultura são, porém, diferentes das de outras espécies
humanas. De fácil entretenimento, o Português gosta de passar horas a observar
a vida dos outros. Noutros tempos, fazia-o à janela e disso falava nas
esquinas, com outros membros da mesma espécie. Nos tempos que correm, prefere
fazê-lo nas redes sociais ou através de programas televisivos, que lhe trazem
imagens da vida de gente que o Português nunca conheceu, nem nunca conhecerá,
mas que lhe proporciona alguns momentos hilariantes.
No seu ambiente mais próximo, o
Português é bastante preocupado com os que o rodeiam, chegando a saber mais das
suas vidas do que da própria. Mas sempre com a melhor das intenções, visto que
o Português nunca faz as coisas por mal. É também o que se designa como bom
treinador de bancada - ou do sofá: ele, que está de fora, vê sempre tudo de
outro modo e tem a certeza que, se fosse ele, faria tudo diferente e,
obviamente, mil vezes melhor! Aliás, o Português é uma espécie que tem muita
necessidade de falar, mesmo do que não sabe, acabando por cair, com frequência,
numa diarreia verbal sem sentido, ao ponto de, a dado momento, nem ele perceber
muito bem aquilo que quer nem aquilo que diz. Estas diarreias manifestam-se,
sobretudo, no que diz respeito ao futebol e à política. Relativamente a esta, o
Português revela uma inteligência fora do comum, pois nunca é o responsável
pelas más escolhas eleitorais. Este hábito de culpar sempre os outros é, de
resto, uma característica tão enraizada que até os governantes o fazem.
O Português gosta de se gabar,
principalmente de tudo o que nunca fez, nem nunca faria ou fará. A sua
capacidade para imaginar cenários alternativos, contudo, é tal, que o faz com
uma destreza inigualável. O Português típico existe em todos os cantos e
recantos de Portugal - e do mundo - e todos conhecemos, pelo menos, um espécime.
Felizmente, a espécie tem também alguns bons exemplares, que, remando contra a
maré, ainda acreditam que podem mudar rumos e mentalidades. Queira o Português
típico que nunca assim deixe de ser. De outra forma, lá se vai a sua sorte.